Linhas abertas, muitos caminhos

MATERIAL PEDAGÓGICO DO PRÊMIO BRAGUAY DE ARTE CONTEMPORÂNEA

Barbara Larruscahim

Com olhar voltado a educação por meio da arte, este material é um pedagógico, e surge como um compromisso social e cultural do Coletivo Braguay, que busca promover um espaço de formação, troca e experimentação da arte contemporânea produzida na região oeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Dirigido especialmente a professores de arte de Ensino Fundamental I e II, Ensino Médio e EJA, das redes pública e privada, e a artistas interessados, este material procura incentivar diálogos, encontros e aberturas diante daquilo que a arte pode provocar, trabalhando conceitos e diferentes linguagens artísticas, em uma ampla relação da linha narrativa poética construída a partir dos trabalhos selecionados.

0 Prêmio BRAGUAY de Arte Contemporânea, é realizado a partir de um edital público – uma chamada aberta onde diversos produtores culturais inscrevem suas propostas. Este projeto de premiação foi selecionado, e faz parte do primeiro edital da história dirigido exclusivamente às Artes Visuais do Estado do Rio Grande do Sul, promovido pelo Pró Cultura RS, financiado pelo Fundo de Apoio à Cultura – FAC Visual da Secretaria de Cultura do Estado RS.

OBJETIVO DE UMA PREMIAÇÃO

Uma premiação é um reconhecimento. Valoriza e fará intensificar as práticas das artes visuais na Região Funcional

6 do Estado, aqui onde se encontram os municípios de Aceguá,  Bagé,  Caçapava  do  Sul,  Candiota,  Dom  Pedrito, Hulha Negra, Lavras do Sul, Alegrete, Barra do Quaraí, Itacurubi, Itaqui, Maçambará, Manoel Viana, Quaraí, Rosário do Sul, Santa Margarida do Sul, Santana do Livramento, São Borja, São Gabriel, e Uruguaiana. Este Prêmio além de incentivar a realização de exposições de arte contemporânea, oferecer oficinas para professores de escolas públicas da cidade de Santana do Livramento, e vai oportunizar a visibilidade dos jovens artistas selecionados. Promovendo a pluralidade de expressões culturais da região e desenvolvendo por meio deste processo, a criatividade da comunidade da fronteira (Santana do Livramento-RS e Rivera-Uruguai).

A exposição conta com a curadoria de Marcos Sari,     e inclui trabalhos de seis artistas,     selecionados por um Comitê    Técnico formado por artistas, críticos de arte e profissionais   da   cultura,   amplamente    reconhecidos    no campo das artes visuais.: Hélio Fervenza, Léa Ciquier, Camica Moreira,  Gustavo  Dalinha  e  Eduardo  Padilha.  A  mostra propõe reflexões sobre arte, com trabalhos que envolvem multiplas    linguagens:    pinturas,    fotografia,    performance, vídeos, e diferentes suportes, abordando temas como corpo, palavra, decoloneidade, paisagem,território e vida.

O COLETIVO BRAGUAY

A MESTIÇAGEM DE UM ESPAÇO FÍSICO-POÉTICO

O neologismo que funde o nome dos dois países, se apresenta como uma poética e como um espaço cultural próprio do território fronteiriço. Espaço (físico e poético), que baliza produções à linha divisória enquanto um reino imaginário, um território “onde a linha imaginária impera”.

A criação poética consiste na formulação de um território imaginário, um espaço mestiço constituído por um coletivo de artistas, historiadores e agentes de cultura – os braguayos. Cujo intuito é promover, difundir, e valorizar a diversidade do território de fronteira, materializando trabalhos artísticos, oficinas, formações, prêmios, eventos que articulem o diálogo e a produção de arte contemporânea.

Braguay é um projeto pulsante de um grupo que não se vê como pertencente a dois países, senão como mestiços fronteiriços. Apesar de permanentes à uma fronteira física, o Braguay se colocam como um espaço de possibilidades, onde sujeitos interagem e afirmam uma identidade binacional.

O chamo de território mestiço, baseada no que diz Icleia Borsa Cattani, quando aplica o conceito de mestiçagem a práxi   artística,   indicando    que    a   produção    artística contemporânea aceita contaminações provocadas pelas coexistências de elementos diferentes e opostos entre si, cujo sentido permanece no entremeio dos dois universos, ressignificando-se, contaminando-se mutuamente, como é o caso da fronteira. (CATTANI, 2010, p. 21 e 22)

Assim, o Braguay é a formulação de uma ideia poética que materializa a mistura dos elementos culturais brasileiros e uruguaios, promovendo exatamente a coexistência e a contaminação mútua destes elementos nacionais. Importante ressaltar que a autora diferencia a mestiçagem de dois conceitos geralmente utilizados como sinônimos: o hibridismo e o sincretismo. Hibridismo seria o produto do cruzamento de dois ou mais elementos operando uma fusão. Do mesmo modo, sincretismo seria a uniformidade de ambos elementos. Em oposição, a mestiçagem, se constituí em uma rede, sem centro nem margem. (CATTANI, 2010, p. 26)

Portanto,    o    Braguay    adquire    sentido    mestiço, manifestando a materialização de encontros que tecem em si uma linha imaginária. Um território braguayo enquanto campo de criação e espaço físico coexistindo, e dedicado à arte contemporânea.

A riqueza de um espaço de integração real, onde duas culturas faz surgir uma terceira. Especificamente mestiça, que não sobrepõe, mas agrega diferentes culturas latinas. Gerando em vista disso, uma conscientização da população local sobre a faixa de fronteira que habitam, antes solo de disputa, agora em convivência harmônica e pacífica.

QUEM SÃO OS ARTISTAS PREMIADOS

NA FRONTEIRA OESTE DO RIO GRANDE DO SUL?

ENRIQUE DA ROSA (KIKE)

Gestor Cultural por formação acadêmica; professor de fotografia por trabalho; muralista, fotógrafo e fotógrafo de cinema por ousadia; estudante de artes visuais por adição; militante por opção.

ENZO MELO

Desenhista/Pintor/Muralista, nascido em Rivera-U, tem 24 anos, e atualmente cursa Gastronomia. Realizada pinturas desde 2015 em diversos materiais, e em 2020 ingressou ao coletivo muralista ‘Paleta Urbana’ de Rivera) realizando grafites ocasionalmente.

Vengo dibujando desde que tengo memoria, e el muralismo es algo bastante reciente, así como también mis experimentos con la animación 2D” – diz o artista.

GIANNA DALABARY

Gianna Delabary nasceu em Sant’Ana do Livramento (RS – Brasil), em abril de 1997. Bacharela em Arte Visuais (2021) pela Universidade Federal de Pelotas, ministrou em 2017 um curso de extensão de desenho da figura humana com modelo vivo. Dedica-se à diversas linguagens, tais como pintura, desenho, fotografia e vídeo. Em seus trabalhos, trata sobre questões do cotidiano, paisagem, tempo e esquecimento pensados a partir de seu olhar e posicionamento diante do real, a experiência do visível única para cada um. Participou das exposições Desafio 5×5 (2019) com o desenho “SEMIAUSÊNCIA” e Intervencidades– conversa entre espaços (2020) com a intervenção “Partir para Retornar”.

JUAN PUERTO

Nascido em Rivera, o artista já realizou estudos secundaristas em orientação no Bacharelado Artístico (2012) e no Bacharelado Figari na UTU. Participando com minhas ilustrações, duas vezes do evento Arte y Juventud, em Carmelo Colonia (2015) e em Treinta y Tres (2016). Começou a experimentar o muralismo em uma aula de arte realizada em uma estação de trem em Santana de Livramento. Hoje integra o coletivo de artistas muralistas do Rio Paleta Urbana (2021), cujos os trabalhos já o levaram a pintar no espaço cultural Calle Brasil (2021), escolas (2022), e, viagens a cidade de Tranqueras-UY já por duas vezes, a fim de realizar pinturas.

NANDA JUANNA MONTEIRO

Mulher afro-fronteiriça periférica. Idealizadora e fundadora do Centro de Desenvolvimento Sociocultural Las Juannas (Rivera). Produtora Cultural, já promoveu diversos projetos, dentre eles destaca-se: o Festival de Literatura e Arte (FLAJU); financiado  pelo  Instituto  Nacional  de  Letras  (2020-2021); “Equiparando sueños a través del conocimiento”, financiado pela União Europeia (2021);   “Quem cuida de quem cuida” com apoio do fundo colombiano de proteção de lideranças afro (2021). E vencedora do prêmio Amanda Rorra em 2022. Atua em no desenvolvimento e co-produção do Bloco Afro- beira do empoderamento ancestral Axe Ubuntu, financiado pela Administração Departamental de Rivera (2023).

WAGNER FERREIRA PREVITALI

Mestrando em Artes Visuais pela Universidade Federal de Pelotas e bacharel em Cinema e Audiovisual pela mesma instituição. Natural de Bagé/RS, é Artista Visual, Fotógrafo e Realizador Audiovisual. Atua também nas áreas de direção e produção, tendo curta-metragens premiados em festivais, com destaque: Bicha Camelô (2017) e Desaborto (2016). Desde 2020 vem participando de mostras e exposições com trabalhos fotográficos e audiovisuais, como a Mostra Fora da Margem, Rio Grande PhotoFluxo, 15a Semana de Fotografia de Caxias do Sul, Fresta – Mostra Audiovisual e o FIVA SPMAV. Em 2020 iniciou o coletivo Misturagens de Mundos, desenvolvendo produções audiovisuais e oficinas de cinema, realizando a exposição coletiva “Não Estamos Tristes”. Trabalha com foco na construção coletiva e experimentação pela mistura das linguagens artísticas.

A ARTE CONTEMPORÂNEA

A POLISSEMIA QUE POSSIBILITA UMA ABERTURA DO CAMPO ARTÍSTICO E A MESTIÇAGEM DAS FRONTEIRAS ENTRE LINGUAGENS

A arte contemporânea, frequentemente, é pouco presente no ensino formal. Ainda temos, por herança histórica, um ensino de arte estagnado no modernismo. Existe uma lacuna no ensino da arte contemporânea, talvez na dificuldade em interpreta- la, ou mesmo a falta de estímulo à riqueza de suas alusões e polissemias possíveis de aberturas. Mesclas de linguagens em infinitas questões potenciais que possam surgir das reverberações de um mundo tão complexo. É justamente nesta complexidade generalizada que mora a arte contemporânea.

Uma das características mais evidentes da arte, é o fato de, estar presente em todos os tempos, desde a arte rupestre, ela acompanha a espécie humana, e segundo Alfredo Bosi, exerce uma função antropológica, qual seja, um modo específico das pessoas em relação com o universo e consigo mesmas.

Assim, o ensino da arte opera como forma de entendimento de si, e dos tempos, atualmente complexa tal qual a contemporaneidade.

A arte contemporânea é um meio de interpretação e reflexão. Uma linguagem subjetiva que nos faz vislumbrar quem somos e a que cultura pertencemos. Ao selecionar artistas locais, este Prêmio nos promove uma auto análise do espaço-tempo, a partir do olhar destes artistas que ocupam nosso mesmo território.

[…] contemporâneo é aquele que mantem fixo seu olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro. Todos os tempos são, para      quem            deles      experimenta contemporaneidade, obscuros. Contemporâneo é,     justamente,    aquele   que   sabe   ver   essa obscuridade,    que    é    capaz    de    escrever mergulhando a pena nas trevas do presente.

(AGAMBEN, 2009, p. 62)

Podemos imaginar a força da importância, neste processo, de ouvir o que diz o/a artista contemporâneo/a. Ana Belluzzo, afirma que “os escritos de artistas são muito importantes para a pesquisa porque se baseiam na experimentação e traçam análises que a crítica jamais poderia supor”. Ler o que dizem os artistas contemporâneos faz elucidar questões e seus próprios posicionamentos do trabalho, e nos situa do movimento, das tendências e referências artísticas adotadas. Nunca devem visar ao esgotamento, mas análise da criação e do processo.

OS TRABALHOS ARTÍSTICOS

A IMAGEM FALA POR SI SÓ

Este material educativo é parte da exposição, mas não se pretende ser um catálogo. Por isso aqui, seguem algumas imagens dos trabalhos apresentados pelos premiados,  contudo,  não  se  esqueça:  a  arte  mora  na experiência, e na imersão em contato com os trabalhos.

A ARTE COMO EXPERIÊNCIA

O que propomos aqui, é que exploremos juntos a possibilidade da vivência estética visual e da educação, a saber, a partir do par experiência/sentido.

Jorge Larrosa diz que a experiência é, em espanhol, “o que nos passa”. Em português seria “o que nos acontece”, ou seja, a experiência é o que nos passa, o que nos acontece, o que NOS TOCA!

(LARROSA, 2002, P.21)

Assim, a experiência imersiva à exposição é fundamental. E este material, apoio informativo, serve para fins educacionais, e como possibilidade de abertura para novas experiências e sentidos…

Mas, O QUE DIZEM OS ARTISTAS?

É certo que os textos dos artistas, e o que eles falam a cerca do próprio trabalho, são material da maior importância, pois é imprescindível conhecer o que os artistas têm a dizer — além da obra que realizam.. Neste sentido, ler seu texto, sob qualquer forma em que se apresente, é referência fundamental para um conhecimento consistente das operações da arte.

Nanda Monteiro

Performance e Video Performance

WAGNER FERREIRA PREVITALI

Montagem digital com fotografias de arquivo Impresso em tecido

Gianna Delabary

Fotografia e Poesia digital

Enzo Melo

Pintura sobre tela

Juan Puerto

Pintura acrílica sobre papelão

Kike da Rosa

Fotografia

CRÉDITOS A CONCEPÇÃO, PESQUISA, TEXTO E ORGANIZAÇÃO DESTE MATERIAL

Barbara Larruscahim

É arte educadora, artista, produtora cultural e mestranda do Programa de Pós Graduação em Artes Visuais da Universidade Federal de Pelotas – UFPel, onde realiza pesquisa sobre Processos de Criação e Poéticas do Cotidiano, relacionando poéticas a deslocamentos, território e fronteira. Em 2019, realizou estágio junto ao Braguay, onde teceu aprendizados e trabalhos artísticos da parceria.

REFERÊNCIAS

CATTANI, Icleia Borsa (organizadora) Mestiçagens na arte contemporânea. Porto Alegre-RS: UFRGS Editora, 2007.

AGAMBEN, Giorgio. O que é o contemporâneo? Tradução de Vinícius Nicastro Honesko. Chapecó: Argos, 2009.

LARROSA, Jorge B. Notas sobre a experiência e o saber de experiência. Revista Brasileira de Educação, nº19, p. 20-28; 2002.

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